Falar do que foi para você, não vai te livrar de viver


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*Para ouvir com trilha sonora

Ano passado ganhei o último abraço de aniversário da minha vida do meu pai, do meu avô e (quase) da minha mãe. E eu sabia disso. O que eu não sabia era o que fazer com tudo aquilo que sentia. E ao longo do ano, falei, conversei, desabafei com tantos amigos queridos, mas falar do meu sofrimento com tanta gente, não nada disso me impediu de sofrer.

E é assim também com a tristeza, a vergonha, o medo e todos os outros sentimentos que nos invadem o coração, por motivos diversos e que não queremos sentir. Falar, contar, esbravejar, gritar, escrever, não vai nos livrar de viver. E muitas vezes tenho a impressão que esquecemos disso. E as redes sociais, os diversos canais que facilitaram a comunicação moderna não escondem esse esquecimento. Nós gritamos aos quatro cantos, mas o que “esquecemos de lembrar” é que isso não nos anistia do sofrimento.

Acho que falamos, com a esperança de que quanto mais falarmos, mais nos acostumamos com nossas dores, e mais tornamos banais acontecimentos que nos assolam o coração. E, assim, apostamos na ilusão de que banalizar experiências extremamente dolorosas ou amedrontadoras ou até vergonhosas irá nos livrar de viver a tristeza, a frustração ou a angústia que vêm “acopladas” no processo.

Porque no fim do dia, não importa o número de abraços que você ganhou, nem em quantos colos você chorou. Não importa quantas pessoas te “absolveram” de julgamentos ou sermões por aquele “erro” que você cometeu, de novo e de novo. Nem quantas te julgaram. Não importa quantas vezes você falou sobre aquela escolha extremamente dolorosa que você teve que fazer. Nem as justificativas e desculpas que você conta no intuito de amenizar a dor e a culpa. Ou sobre a dor de perder alguém que ama. Ou em quantos pedaços seu coração foi partido e você partiu o coração de outra pessoa. Não, não importa quantas vezes você conte essas histórias para si e para os outros, no fim do dia, nada disso vai te impedir de viver. Nem de sofrer.

Cada escolha que fazemos é solitária. A nossa dor é nossa, de mais ninguém. A maneira como experienciamos o que nos acontece, é solitária. A nossa raiva, arrependimento, tristeza são solitários, as consequências de nossas escolhas e atos são extremamente solitárias. Dividir tudo isso pode sim aliviar cargas, e muito! Pode sim nos tornar mais humanos ou semelhantes até, mas não, não existe atalho ou saída fácil para viver nossas maiores dores e falar não nos livrará de sofrer.

Portanto, podemos também buscar refúgio em nós mesmos. Sentir e sentir muito. Escolher nossas batalhas, aprender a dominar nossas emoções (antes que elas nos dominem). E quem sabe não esquecer que toda escolha carrega em si renúncias e consequências e é importante pensar nisso antes de fazer uma. Hoje, olhando o furacão que foi o ano passado, não tenho mais raiva e isso me traz a certeza de que o melhor professor, o melhor calmante, o melhor antidepressivo ou ansiolítico, o melhor remédio para todo o mal que nos inunda a alma é e sempre será o tempo.


4 respostas para “Falar do que foi para você, não vai te livrar de viver”

  1. Eu me identifiquei em tantos e tantos aspectos desse texto..
    Pelo Los Hermanos.. Pelo Álbum escolhido.. E por ter passado pelo mesmo..
    Eu acredito que essa raiva sem culpado dói de uma forma diferente. Não só por não haver um culpado, mas pelo vazio de nem ter alguém a quem culpar, afinal nestes casos você prefere até brigar com aquela pessoa, isso seria melhor do que simplesmente não te-la ali.
    “Portanto, podemos também buscar refúgio em nós mesmos.”
    Sim.. Eu preferi isso do que “ombros de amigos”.

    Eu li novamente seu texto mas mudei a trilha.. Para mim coube mais “Terra de Gigantes” dos Engenheiros.

    Boa Sorte pra vc! E conforto..

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  2. Freud falava que o ser humano se cura pela fala. Acredito que falar ajuda e muito, ao falar nossa dor diminui, vamos colocando pra fora, fazendo ficar mais leve. Mas claro, somente falar não resolve o problema… mas acho que compartilhar a nossa dor, torna mais leve o fardo. E claro, o tempo tambem cuida de colocar tudo no seu devido lugar…
    Bjo

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